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As conexões entre apoiadores de Bolsonaro, QAnon, satanismo e alienígenas

Atualizado: 20 de out. de 2023


FOTOS DE FABIO TEIXEIRA, tiradas no Rio de Janeiro. 02 DE NOVEMBRO: Bolsonaristas protestam contra o resultado da eleição em frente ao Comando Militar do Leste.

FOTOS DE FABIO TEIXEIRA, tiradas no Rio de Janeiro. 02 DE NOVEMBRO: Bolsonaristas protestam contra o resultado da eleição em frente ao Comando Militar do Leste.


Desde o final das eleições desse ano, apoiadores do candidato derrotado acampam em frente a quartéis militares pelo país pedindo uma intervenção contra os resultados. Alegam fraude, e invocam um artigo da constituição que, segundo a sua interpretação, confere às Forças Armadas o poder de “garantir a ordem” e “manter a lei” quando “há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública”. Esse esgotamento das forças tradicionais seria, para eles, o fato de o presidente eleito ser um criminoso condenado auxiliado por forças de uma nova ordem mundial, contra a qual os alienígenas devem intervir. Como vimos, alguns desses apoiadores chegaram a enviar sinais de ajuda a um general alienígena com as lanternas de seus smartphones.


Apoiadores de Bolsonaro

Não é tarefa fácil rastrear as origens da relação entre os apoiadores de Bolsonaro e a crença de que seres extraterrestres estão ativamente envolvidos na política partidária. Em 2018, o The Guardian publicou um artigo chamando Bolsonaro de “líder de culto” que alegou ter tido contato com alienígenas. No entanto, o artigo não fornece fontes em referência a quando, como ou por que Bolsonaro fez a alegação de contato com alienígenas. O autor desse artigo no The Guardian foi Dom Phillips, morto este ano em um caso de assassinato de grande repercussão, ao lado de outro jornalista, Bruno Pereira, enquanto investigava corrupção na região amazônica.


28 DE OUTUBRO: Bolsonaro no debate entre os candidatos presidenciais de 2022.


Satanismo

Outras conexões mais sinistras e conspiratórias foram feitas envolvendo um culto satânico dos anos 80, acusado de assassinatos horríveis de meninos pobres. A mulher que fundou o culto, Valentina de Andrade, escreveu um livro chamado 'Deus, a grande farsa', onde foram feitas alegações de que não apenas os alienígenas estão entre nós, mas que eles influenciariam os nascimentos humanos, e que um general alienígena e uma nave em particular estariam para vir à terra e pedir ajuda aos cidadãos de bem para realizar uma tarefa muito importante, possivelmente de natureza política.

De alguma forma, o nome do advogado da família de Bolsonaro, Frederick Wassef, aparece em documentos sobre o processo judicial contra Valentina. Ele testemunhou sobre como comprou o livro de Valentina em 1988, onde ela descreve sua experiência de contato com alienígenas e como Deus não é o Criador do Universo, mas sim uma espécie de Diabo. Isso despertou o interesse de Wassef, levando-o a escrever uma carta a ela e, a convite dela, viajar por várias cidades para visitar alguns espaços associados ao culto, incluindo a sede do culto em Buenos Aires. Nessas viagens, ele conheceu Valentina e várias pessoas de seu círculo, e participou de vários cursos e palestras, nenhum dos quais, segundo ele, discutia-se nada além dos princípios básicos do grupo — proibição de drogas, prostituição, abuso de confiança e desrespeito.

Toda essa saga termina com tudo sendo atribuído ao Satanic Panic, um período entre os anos 80 e 90 em que houve um alto índice de casos não verificados envolvendo rituais satânicos com abuso e assassinato de crianças. É amplamente conhecido por ter acontecido nos EUA, mas o Brasil, ao que parece, também se viu vítima. Ambos os países têm laços políticos inesperados — os anos 80, marcando o fim de uma ditadura militar brasileira financiada pela CIA, e os anos 2020, marcados pela simbiose entre Bolsonaro, Trump e seus apoiadores. Agora, a conexão entre esses políticos, satanismo e alienígenas fica mais difícil de analisar sem entrar em assuntos conspiratórios como QAnon.


15 DE NOVEMBRO: Milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro se reuniram em protesto contra os resultados das eleições de outubro.


QAnon

Numa paisagem ideológica atormentada por teorias conspiratórias, não é difícil imaginar uma progressão natural das ideias de QAnon para as sobre OVNIs. Em 2019, a Vice publicou um artigo dizendo que, na ausência das postagens de Q, “muitos de seus seguidores se voltaram para a narrativa sobre OVNI para satisfazer um vício conspiratório”, especialmente porque o próprio Q fez algumas postagens sobre OVNIs e várias sobre satanismo — motivo pelo qual QAnon tem a reputação de ter trazido o Satanic Panic de volta.

No entanto, atribuir a relação entre extraterrestres e QAnon a um “vício” conspiratório é insuficiente. O paralelo entre satanismo e alienígenas precede o QAnon, e alguns pesquisadores do final dos anos 90 e início dos anos 2000 exploraram uma semelhança “impressionante” entre os relatos de abuso satanista e abduções alienígenas, conforme compartilhado em seus respectivos grupos de apoio. Curiosamente, o estudo que faz a pergunta 'Quem são os abduzidos por OVNIs e sobreviventes de abuso ritualístico?' responde a isso dizendo que ambos são predominantemente brancos. Essa resposta levanta outra questão: por que uma parte da população branca é susceptível a explicações como essas para o tumulto político e social no mundo?

Em sua pesquisa de 1997 intitulada “Abuso satanista e abdução alienígena: uma análise comparativa[…]”, John Paley especula sobre outra explicação — um espectro de epilepsia do lobo temporal e terapia malfeita. Considerando que a grande maioria daqueles que se identificam como sobreviventes de abuso ritualístico ou abduções são mulheres, a categorização desses relatos como delírios (página 47) precisa ser visto através de uma lente interseccional mais moderna. A verdade é que ninguém entende completamente ou pode fornecer uma explicação científica sólida para esses fenômenos sociais.


[ESQUERDA] 28 DE OUTUBRO: Bolsonaro no debate presidencial. [DIREITA] 30 DE OUTUBRO: O presidente do Brasil e candidato à reeleição Jair Messias Bolsonaro, falando à imprensa logo após a votação.


O Exército e a Marinha dos EUA

Há, no entanto, uma explicação mais conservadora, ou menos peculiar, para o fato de os apoiadores de Bolsonaro estarem usando celulares para se comunicar com uma nave extraterrestre e seu general. O governo dos EUA tem se esforçado para desestigmatizar a crença em OVNIs (ou FANIs — fenômenos aéreos não identificados). Em maio, os EUA realizaram uma audiência no Congresso com o objetivo de incentivar o público em geral, e especificamente membros da Marinha, a coletar dados e informar sobre objetos voadores (e subaquáticos) não identificados.

É do interesse do Exército dos EUA que suas novas tecnologias permaneçam classificadas. Após avistamentos inexplicáveis, é de seu interesse que o público os associe a alienígenas e não a tecnologia militar secreta sendo testada. Por exemplo, seria justo supor que quando o drone “Predator” foi introduzido, no início dos anos 2000, o mesmo já estava em teste durante a maior parte da década anterior (talvez não por acaso durante a era do X-Files). De fato, na audiência, foi declarado que drones foram utilizados para ver se serviam como uma explicação para relatos recentes de avistamentos inexplicáveis e os dados entregues ao Centro de Inteligência da Marinha.

Alguns dados se tornaram públicos. Alguns foram discutidos numa audiência confidencial. E alguns continuam sem explicação, por insuficiência de dados ou falta de compreensão desses dados. No entanto, o Exército dos EUA está numa linha tênue entre a necessidade de manter em sigilo sua própria tecnologia militar, e a necessidade de contar com informação entregue pela população e por membros da Marinha sobre o que poderia ser tecnologia secreta de forças “não aliadas”.


15 DE NOVEMBRO. Protesto em frente ao Comando Militar do Leste.


Tecnologia

Existe um segmento significativo da população brasileira que acredita que certas tecnologias que temos hoje, como internet, Inteligência Artificial, motocicletas que não caem e assim por diante, vêm de alienígenas. Alguém me disse recentemente, “o ser humano é inteligente, mas não tão inteligente”. Isso se relaciona com a teoria de que as pirâmides não poderiam ter sido construídas por humanos, então elas devem ter sido construídas por alienígenas da antiguidade, e assim por diante. Curiosamente, nós vivemos hoje na era dos smartphones, que podem ser usados ​​para coletar mais dados do que nunca sobre OVNIs (ou FANIs), expor tecnologia militar classificada e sabe-se lá o que mais. No entanto, há dúvidas se o próprio objeto que temos em mãos para coletar esses dados é deste mundo.

A experiência humana é marcada pela angústia de perceber o número exorbitante de coisas que não entendemos sobre o universo, e tudo o que não podemos controlar ou prever. Nem mesmo esta afirmação pode ser dita com muita certeza, razão pela qual procuramos significado nos mais variados e inesperados lugares. Isso por si só pode ser um mecanismo de apoio psicológico saudável para o absurdo e a fragilidade de toda a vida na Terra. Dito isto, uma vez que defendemos os princípios democráticos, ou qualquer modo básico de coexistência num planeta com 8 bilhões de pessoas, estamos suscetíveis a ter de enfrentar situações em que certos grupos levam suas teorias a um nível ditatorial. Quando se trata dessas pessoas acampadas em frente aos quartéis militares brasileiros, pedindo a regressão da Democracia para a Ditadura Militar, nossa estratégia tem sido de esperar passar, para que o pânico se amenize; porque uma linha de raciocínio político entendível ou administrável está até menos em vista do que essa nave extraterrestre com a qual eles estão tentando se comunicar.

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Escrito por Mirna Wabi-Sabi
Fotografado por Fabio Teixeira
Editado por Nox Morningstar

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