“As fotos desse trabalho jornalistico documental tem como objetivo maior mostrar a realidade das UTIs, a vida das pessoas nas favelas, a luta para combater o inimigo invisível — o COVID no Brasil —, os sepultamentos, a tragédia desse governo genocida, o sofrimento da população das favelas, o cotidiano que a pandemia não conseguiu mudar.”
(Fabio Teixeira)
Cemitério do Cajú, Rio de Janeiro. Abril 2021.
Hospital Municipal São José, unidade de Duque de Caxias, dedicada exclusivamente a pacientes com coronavírus. Abril 2021.
O toque de recolher sempre fez parte da vida nas favelas do Rio. Muito antes da pandemia, aparecer em público inevitavelmente significava um perigo iminente. Disputas entre facções criminosas/políticas e o uso generalizado de artilharia militar representam uma ameaça flagrante à vida e à integridade física de residentes. O som de tiro, carros da polícia, gritos, sangue e corpos nas ruas inescrupulosamente atentam a população da punição que vem abraçada com a desobediência às ordens de ficar em casa. A ameaça iminente à vida representada pelo COVID-19, no entanto, não é tão flagrante. O vírus é invisível, silencioso e mata atrás de portas fechadas em unidades hospitalares afastadas. Nesta série fotojornalística, Fabio Teixeira expõe visualmente a presença avassaladora dessas entidades microscópicas e suas esmagadoras repercussões materiais.
“Tudo segue funcionando normalmente nas favelas”, diz Neila Marinho, jornalista e assessora de comunicação da Voz das Comunidades. Historicamente, “O toque recolher seria uma imposição do tráfico local para que se obedeça normas.” Mas hoje não há distanciamento social, apenas “negligência dos governos, que visaram mais a oportunidade de corrupção sem se importar com as vidas das pessoas.”
No ano passado, o governador do Rio de Janeiro, Witzel, foi acusado de realizar aquisições fraudulentas de recursos de saúde contra COVID-19, e de apropriação indébita de fundos de emergência. Enquanto situações semelhantes ocorreram em outras regiões do país, como em Santa Catarina, Pará e Amazonas, o Rio continua sendo o epicentro da violência policial e da milícia de mão-de-ferro no país. Não só dinheiro é roubado do povo, ele é investido na manutenção de um sistema terrorista cujo alvo são as maiores comunidades marginalizadas.
O fundador da Voz das Comunidades, Rene Silva, relatou no fim de abril que casas foram arrombadas pela polícia no Complexo do Alemão. Assim como há poucos dias, durante fogos cruzados entre a Polícia Militar e facções criminosas em comunidades por todo o Rio, 9 pessoas foram mortas em menos de 12 horas. E mais recentemente, no dia 6 de maio, uma operação no Jacarezinho matou quase 30 pessoas e fechou 3 postos de vacinação.
Como fotógrafo e morador da Maré, Fabio descreve essas operações policiais, que obrigam as pessoas nas favelas a ficarem em casa com medo de serem baleadas, como um sério obstáculo para mantê-las protegidas do coronavírus. Essa faca de dois gumes é a escolha de sair para comer e se vacinar sob o risco de ser pego no fogo cruzado. Quaisquer que sejam as regras impostas pelo Estado ou pelos poderes paralelos do crime organizado, elas parecem significar um desprezo flagrante pela vida de pessoas marginalizadas.
Pessoas marginalizadas, no entanto, fazem o que podem para resolver as coisas por conta própria, apesar dos obstáculos colocados por este sistema injusto. Há um ano, Thiago Firmino, da favela Dona Marta, sustenta a iniciativa de higienizar as ruas de sua comunidade, e passou a distribuir cestas básicas e produtos de higiene doméstico também. Numa entrevista de um ano atrás, ele explica que:
"A favela não precisa ficar esperando o governo. Porque o governo vai esperar morrer muita gente nas favelas para depois começar a agir. Então a gente vai começar antes a fazer o preventivo. A gente não tem apoio nenhum do governo, de nenhuma empresa, e a gente está fazendo por conta própria, pedindo doações para os amigos e colaboradores para a gente continuar com essa ideia."
Hoje, o trabalho deste grupo na Dona Marta é tão necessário quanto era há um ano, senão mais. Na última semana de abril, eles recolheram milhares de máscaras e doações de alimentos nos postos de vacinação, a ainda mantém as ruas da comunidade limpas para pedestres.
Vendedores ambulantes, muitos dos quais vivem em favelas e comunidades, estão particularmente expostos aos perigos representados pela pandemia e pelo Estado. Em Niterói, a Associação do Ambulante (Acanit) tem dificuldade de superar o obstáculo da negligência governamental — enquanto lojas começaram a reabrir, ambulantes continuam sofrendo repressão policial sempre que tentam voltar ao trabalho. O presidente da associação, Fábio Luiz, escreveu:
"[N]os sentimos injustiçados pela prefeitura em seu último decreto reabrindo estabelecimentos que atuam em locais fechados como shopping, teatros, cinemas, centros comerciais, e comércio de rua e proibiu os ambulantes que trabalham de forma individual, atendendo um cliente por vez ao ar livre.
[N]ão somos contra abertura dos demais comércio nem contra o fechamento do comércio caso necessário para preservar vidas, mas somos contra abertura do "comércio de rua" sem nos incluir, pois também somos comércio de rua, e temos nossas dificuldades também.
Não entendemos por que a prefeitura não nos incluiu na fase laranja junto com os demais comércio de rua, parece discriminação ou política de privilégio para um setor econômico em detrimento de outro a fim de reduzir a concorrência para os beneficiados no último decreto."
Segundo Fabio Teixeira, a guerra às drogas é uma “doença crônica ridícula”, responsável por tornar a vida de trabalhadores num pesadelo — dentro e fora de casa. Acreditar que essas medidas de controle governamentais, decretos e operações policiais, têm o melhor interesse do povo como objetivo é uma armadilha na qual não devemos cair. A miséria só será exacerbada pela pandemia no Brasil, enquanto a violência policial não faz nada para mitigar os males sociais associados à indústria do tráfico de drogas nas comunidades marginalizadas do Rio. O vírus será contido — mas será que o mesmo acontecerá com a bala?
[COVID NO BRASIL]
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