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Minilagos podem influenciar microclimas na cidade?

Atualizado: 20 de out. de 2023

Por Mirna Wabi-Sabi [1]
Minilagos podem influenciar microclimas na cidade?

Durante o isolamento da pandemia, tive mais tempo de observar meu jardim, seus movimentos, crescimentos e seres. Isso me levou a começar um experimento com o desenvolvimento de minilagos sem bomba, para acomodar sapos, libélulas etc. No processo, não só aprendi muito sobre as vidas e os comportamentos de diversos seres, descobri da existência de diversos seres vivos, incluindo plantas, e suas funções para um ecossistema equilibrado.

A cidade, hoje, não é um ecossistema equilibrado. Assim como o nosso conhecimento sobre os animais e plantas em nossa volta, ou que não estão mais em nossa volta por causa do desequilíbrio urbano, é insuficiente. Será que minilagos não só podem remediar nossa falta de conhecimento ao nos expor à certos aspectos da natureza de forma acessível e diária, mas também podem influenciar o habitat urbano para mitigar o efeito estufa e os danos causados pelo aquecimento global?

Cidades e vilarejos Weizi

Um estudo recente, de julho de 2022, chamado ‘Impactos dos Corpos de Água nos Microclimas e no Conforto Térmico Externo’ descreve como pequenos lagos artificiais se relacionam à revitalização ambiental sustentável num assentamento humano. Usando como referência um vilarejo chinês de tradição Weizi (Wei zi) chamado Xufan, uma análise é feita sobre a influência que características urbanas, como asfalto e prédios altos, têm sobre microclimas, em contraste com as características de habitats humanos que utilizam recursos aquáticos.

Um vilarejo Weizi “é um modelo típico de assentamento humano tradicional chinês que combina habitat humano com terras agrícolas e conservação de água”. Ele se adapta, transforma e utiliza um ambiente aquático através da interseção de condições climáticas, recursos naturais locais, cultura rural e Fengshui — onde a ancestralidade e a ciência ambiental se fundem. Xufan, no vilarejo Guanweizi, no município de Guangshan em Henan (China), foi listado como um desses assentamentos tradicionais em 2017. Lá, foi possível analisar como os corpos de água afetam a temperatura e umidade do ambiente, e influenciam as convivências e produções humanas.

O estudo revela que corpos de água absorvem calor durante o dia, e liberam calor durante a noite, mantendo estabilidade de seus microclimas. Eles também afetam a umidade do ar, que por ventos e brisas se conectam com microclimas de outros corpos de água em certos raios de distância. Isso densifica a vegetação da região, regula o clima e sustenta a agricultura local. Esses efeitos são interrompidos ao se aproximar do centro urbano.

Nas cidades, edifícios blindam o vento e as brisas, interrompendo o fluxo de umidade entre diferentes corpos de água e seu efeito de resfriamento da temperatura local. Pode ser instintivo entender o asfalto e os motores dos carros como coisas que aquecem um ambiente, e prédios que por sua vez amparam o clima criado em suas ruas. A principal função do asfalto é impermeabilizar, e o motor opera na base de pequenas explosões queimando combustíveis. A elevação da temperatura e diminuição da umidade são microclimas em si — urbanos.


Imagens: “Research on the Forms and Changes of Jianghuai Shuiwei Settlements — Take the Western Jianghuai Area as an Example".


O que são Microclimas?

A água não só satisfaz necessidades de agroecossistemas, mas também regula o conforto térmico, o que é um efeito específico do microclima. O PET (Physiological Equivalent Temperature) “é um índice baseado no balanço térmico do corpo”, e representa o conforto ou desconforto térmicos em microclimas urbanos ou não. Como tal, microclimas são nada mais do que condições atmosféricas de um certo ambiente, resultantes de certos elementos desse ambiente. Vegetação, corpos de água, asfalto e prédios são exemplos de elementos geomorfológicos que influenciam microclimas.

O microclima urbano é às vezes chamado de “ilha de calor”, como resultado do que eu chamaria de agentes exógenos de relevo. As infraestruturas da cidade são, de certa forma, elementos geomorfológicos exógenos que alteram significativamente a superfície da Terra, entre outras coisas. Com o inegável dano que a revolução industrial causou no planeta e nos níveis de poluição de centros urbanos a partir da metade do século 19, muitas estratégias de mitigação de danos foram desenvolvidas, com resultados talvez medíocres.

Combate à poluição urbana

A indústria de carvão, que é responsável por grande parte da poluição industrial desde o meio do século 19 e também por diminuir a expectava de vida humana, está em declínio nos EUA, assim como as mortes associadas à sua mineração. Por outro lado, na China, a produção de carvão se encontra em ascensão.

Outra estratégia de combate à poluição nas cidades tem sido tornar carros mais eficazes. A injeção eletrônica, por exemplo, é eficaz na redução da poluição ao misturar o ar e o combustível de forma mais econômica do que a regulagem manual. O catalisador neutraliza os gases nocivos que entram na atmosfera ao sair pelo escapamento, com efeito em até 98% deles. O Manual de Formação de Condutores (Edição 2022) afirma que o Brasil “passou a produzir um dos melhores combustíveis do mundo no ponto de vista ambiental”. Ao adicionar etanol à gasolina, emissões de monóxido de carbono (CO) e outros gases nocivos são reduzidas. Diz-se que, comparado com 1986, a média de emissões de CO por veículo hoje é 0,05% do que costumava ser (de 54g/km para 0,3g/km).

Isso tudo soa bem, porém, ao inspecionar mais detalhadamente, problemas pontuais parecem ser parcialmente resolvidos enquanto outros surgem simultaneamente. CO é apenas um dos gases nocivos emitidos por automóveis, muitos deles que não diminuíram em tal escala. Os números diferem dependendo da fonte porque variam com o ano de fabricação do carro, região e regulamentações. As regulamentações não são propriamente fiscalizadas. E mesmo se as leis fossem impostas e seguidas, a adaptação da legislação visa proteger o meio ambiente quando também é do interesse do “desenvolvimento da indústria automobilística” (Art. 2°: I—Vetado). Portanto, dizer que a poluição nas cidades melhorou em comparação com 100 anos atrás, por meio da tecnologia, não é dizer muito.

Uma visão holística de como lidar com a nocividade ambiental da urbanização superaria as limitações das leis nacionais e da indústria de carros, já que a camada de ozônio e o efeito estufa não operam de acordo com a lógica financeira e jurídica. As lógicas financeira e jurídica, na verdade, operam de acordo com o conjunto de crenças da população, mesmo que elas muitas vezes sejam manufaturadas pelos próprios setores financeiro e jurídico. Será que moradores da cidade querem viver em lugares como São Paulo, onde o trânsito e a grana nunca param de pulsar?


Imagens: “Vernacular Ecological Architecture — Weizi Folk Houses in the Southeast Henan".


Será que a ilha de calor é inescapável?

Os microclimas da cidade alienam animais e plantas. Mas, com uma reconfiguração dos conjuntos de crenças sobre o que pode ou deve ser a vida na cidade, criar microclimas urbanos que convidam animais e plantas a prosperar é viável. Terraços verdes reduzem os efeitos das ilhas de calor urbanas, e vegetação se concentra em torno de corpos de água naturalmente. Portanto, corpos de água podem e devem ser introduzidos em jardins urbanos, hortas comunitárias e terraços onde já haja interesse em paisagismo.

Para usufruir do efeito de resfriamento de plantas e lagos em contextos urbanos, uma estrutura autossuficiente que minimiza o uso de recursos como água e eletricidade públicas é não só acessível, mas também ancestral. Como vilarejos Weizi são descritos, “o espaço adaptável à água apresenta a sabedoria dos ancestrais para se adaptar e transformar moderadamente o ambiente aquático e utilizar os recursos hídricos de maneira sustentável, com baixa tecnologia, baixo custo e baixa manutenção.” Wei, além de ter sido um território ilustre na China antiga, também significa habitação que utiliza trincheiras aquáticas para satisfazer uma variedade de necessidades comunitárias como irrigação, escoamento, lavagem, conforto térmico e proteção. Prédios viabilizam a passagem de brisa, trincheiras servem como muros de defesa, água e animais nutrem a agricultura e, em geral, a arquitetura e urbanismo vernaculares expressam conhecimentos valiosos ancestrais e científicos.

No contexto urbano moderno, adaptar à água pode significar a coleta de água da chuva, que por sua vez incentiva a consciência sobre a frequência de chuvas e qualidade do ar (que influencia a condição da água da chuva), além de minimizar o uso de água do abastecimento da cidade. O aumento da umidade do microclima, com a presença de brisa entre cada corpo de água, pode auxiliar na regularização da frequência das chuvas (pois sabemos que a umidade e chuva se favorecem). Para controle de proliferação de mosquitos, peixes pequenos podem ser introduzidos no corpo de água. Um laguinho bem plantado, e com uma quantidade e tipo de peixes adequados, não precisa de bomba ou filtro. Uma troca parcial de água é suficiente, e a água do lago, rica em nutrientes, pode ser usada para regar plantas.

Animais como lagartos, besouros, libélulas, formigas e pássaros contribuem para a manutenção desses elementos naturais e minimizam a necessidade de manutenção humana. Ao convidar esses seres, os observamos e os entendemos melhor. Parte de entender melhor, significa entender que a prosperidade desses seres significa a nossa prosperidade, o futuro humano. O conhecimento sobre a natureza nos ensina a apreciar, respeitar e, por sua via, proteger. E nos ensina sobre os contextos microclimáticos urbanos, cujas afrontas à existência humana nós muitas vezes falhamos em identificar, denunciar e modificar.

Os pesquisadores do artigo ‘Impactos dos Corpos de Água’ afirmam que o impacto de diferentes formatos de corpos de água será o foco de suas próximas pesquisas, indicando uma deficiência de dados referentes à diversidade de possibilidades para mitigar os efeitos de “superfícies subjacentes feitas pelo homem” através do uso de corpos de água. Portanto, há muito ainda a ser explorado.

A execução dessa proposta apresenta uma curva aguda de aprendizado e adaptação de conjuntos de crenças da população, fora uma reconfiguração do que significa o espaço privado ou individual no contexto da relação entre microclimas urbanos e o futuro do planeta. Aos poucos, a consciência sobre como cada indivíduo lida com seu espaço privado, e age em relação à natureza em coesão, tem o poder de reconfigurar o status quo da urbanização. Quem sabe, o micro em efeito cascata se torna macro, e a ilha de calor aos poucos é ressignificada por vários oásis.


[1] Fundadora e diretora da Plataforma9, autora do livro Anarco-transcriação.

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