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Mirna Wabi-Sabi

“This is not a drill” de Roger Waters chega ao Brasil invocando Resistência

Atualizado: 28 de abr.

Dada a geopolítica atual, está claro que ideologias genocidas não estão em declínio, e perduram pela história. Por isso, a resistência continua imprescindível, e é essa a mensagem central do show “This is Not a Drill” de Roger Waters, no Brasil.
Show do Roger Waters em Brasilia, Brasil.
Fotos por Kate Izor

O primeiro show da tour ‘This is Not a Drill’ de Roger Waters aconteceu em um auditório de Pittsburgh, dia 6 de julho de 2022, na Pensilvâniana. Dia 24 de outubro de 2023, a tour foi estreada no Brasil, em Brasília, reconfigurada para estádios. A set list, a mensagem política e a identidade visual é a mesma, mas estar ao céu aberto garante uma experiência renovada. Não há mais a configuração do palco de auditório de 360 graus em formato de cruz, mas foi possível ver a lua durante ‘Dark Side of the Moon’, realçada por lasers espetaculares.

Entre o primeiro show da tour e o primeiro show da tour no Brasil, Roger Waters lidou com diversos ataques políticos, protestos pedindo pelo cancelamento de seus shows — especialmente na Alemanha — documentários acusando-o de antissemitismo, e escrutínio de críticos e audiências por seus posicionamentos políticos. Em resposta, Waters expressou genuína decepção, questionando por que agora se tornou alvo desse escrutínio por uma mensagem política que ele dissemina já há meio século.

Desde o fim dos anos 60, a preocupação com uma guerra nuclear, com líderes mundiais desrespeitando direitos humanos, e a brutalidade da ganância da elite global tem sido centrais não só na vida, mas na arte de Waters. É inspirador e honrável ver um artista como ele usar seu talento e fama para fazer o que ele pode para realizar mudanças positivas e necessárias no mundo.

Durante toda a sua carreira, é possível observar uma estratégia de comunicação artística e política que utiliza personagens e narrativas para transmitir uma mensagem. Roger, na verdade, é mais que um músico, ele é um contador de estórias.

Como contador de estórias, ele idealiza personagens e os coloca em narrativas que expressam o pior cenário imaginável. Ao encenar explosões, tiroteios, mortes, crimes de guerra, líderes fascistas e capitalistas inconsequentes, ele não só apresenta esse pior cenário, como também mostra o quão próximo dele realmente estamos. É um balde de água fria que te traz para a realidade e faz enxergar um futuro assustadoramente próximo — o qual precisamos impedir.

O personagem do líder fascista que Waters encenou antes da tour chegar no Brasil era performado acompanhado de uma metralhadora e soldados obedientes. Em Brasília, ele foi apresentado em uma cadeira de rodas, vestindo uma camisa de força, acompanhado por auxiliares de hospital. Ele enlouqueceu de vez, e de forma alguma deve ser ouvido. Há anos, esse personagem representa o poder político, e como ele é centralizado em indivíduos completamente doentes e perturbados. Resistência a eles é imprescindível, e Waters é explícito em relação a isso.

Resistência, para Roger, pode acontecer de diversas formas. Resistir é um processo material, como pessoas indígenas e palestinas lutando para retomar controle de suas terras. E também é um processo social, através do diálogo e do apoio mútuo. Quando ele invocou direitos indígenas, palestinos, reprodutivos e trans, grande parte da audiência se emocionou e celebrou. Ele faz uma vertente ampla da população brasileira, que luta por esses direitos regularmente, se sentir reconhecida e apoiada.

Mas nem todos compartilham essa visão. Pode-se observar o incômodo de alguns indivíduos com a crítica ao capitalismo. Eu ouvi pelo menos uma vez, “olha lá o comunista vindo em show de capitalista. Aposto que o Roger Waters tá fazendo muita grana”. Fora que o Roger inquestionavelmente endossou o Lula no palco.

É possível que essa chamada para resistir ao capitalismo seja difícil de absorver no Brasil. Porque a concepção de capitalismo, num país que lidou com uma ditadura que utilizou “militar” no lugar de “capitalista”, interpreta o Capital como sinônimo de Renda. Não é preciso convocar jargões da teoria comunista para analisar a falha na fusão desses conceitos.

O Roger Waters trabalha e produz — arte. Se todas as pessoas trabalhadoras fossem propriamente renumeraras por seu trabalho no sistema capitalista, não haveria necessidade de resisti-lo. Mas não é essa a realidade, e nunca foi. O Waters é sábio o suficiente para reconhecer que só porque ele conseguiu construir uma carreira que o remunera generosamente pelo seu trabalho, não quer dizer que essa seja a realidade para todo o mundo ou que o sistema funciona para a humanidade.

Roger Waters no Brasil


É difícil compreender como a visão do Roger Waters para um mundo melhor não é unânime. Porém, resistência contra a guerra, a ganância, o fascismo, o racismo e as demais ideologias que visam erradicar a diversidade humana só pode ser unânime em um mundo onde essas ideologias nocivas não existem mais ou estão em declínio. Se todos nós concordássemos com o fato de que essas violências deveriam acabar, não resistiríamos, construiríamos juntos um mundo novo.

Dada a geopolítica atual, está claro que ideologias genocidas não estão em declínio, e perduram pela história. Por isso, a resistência continua imprescindível, e é essa a mensagem central do show “This is Not a Drill” de Roger Waters. Podemos diferir ou até discordar sobre quais ferramentas empregar nessa resistência, mas pelo menos participar dessa conversa ele demanda de sua audiência.

Sua arte transcende a música. Ela é folclore, teatro, amizade, ativismo, e claro — resistência. Mas a música não deixa de ser central. Como eu disse ano passado, na resenha sobre o primeiro show dessa tour em Pittsburgh, “os solos de guitarra e cantoras de back-up gratificam qualquer fã obstinado do Pink Floyd e os inspira a cantar junto. Enquanto os fluxos dinâmicos da set list, sem mencionar os fantásticos solos de saxofone, fazem qualquer pessoa interessada em música dançar.” E isso continua a ser verdade. Algumas das músicas mais adoradas de todos os tempos são tocadas de forma autêntica e fiel, criando uma experiência imperdível para pelo menos três gerações de fãs.

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Por Mirna Wabi-Sabi

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